Quantas vezes não ouvimos isto? Não só da boca dos amigos ou da família, mas frequentemente de muitos profissionais de saúde.
“É psicológico!”
“São coisas da tua cabeça”
“Tens de relaxar”
“Não penses mais nisso que isso passa”
“Tens de ter força de vontade”
Estas afirmações surgem frequentemente em resposta às queixas físicas, emocionais, intelectuais, profissionais e sociais decorrentes do mal-estar psicológico, como se este fosse um problema de segunda categoria, um chelique, um capricho ou umas coisinhas que passam se respirarmos fundo.
Estas atitudes, aliadas ao estigma que ainda existe relativamente à saúde mental, reforçam o sentimento de incompreensão, vergonha, culpa e desvalorização, levando ao isolamento, à máscara do “está tudo bem, obrigado” e à não procura de ajuda profissional.
Tão ou mais grave é não haver um encaminhamento para avaliação e acompanhamento psicológico quando as pessoas recorrem a serviços médicos com determinadas queixas, que são rapidamente diagnosticadas como depressão, ansiedade ou ataque de pânico. Levam consigo uma recomendação para tirarem umas férias e não pensarem no assunto, ficando sozinhas com as suas “minhoquinhas na cabeça” e os seus “macaquinhos no sótão”.
Não menos frequente, apesar de aqui envolver uma maior valorização das queixas, é o facto de alguns médicos se adiantarem na prescrição de medicação sem esclarecimento diagnóstico por parte dos profissionais de saúde mental (psicólogos e psiquiatras). Se se encaminham as pessoas para diferentes especialidades médicas em função das suas queixas e das hipóteses de diagnóstico, por que razão a saúde mental continua a ser aquela área em que todos se consideram entendidos e capazes de avaliar a olho nu?
Na minha opinião, exceto em quadros muito graves e com risco significativo atestado pelo psicólogo e pelo psiquiatra, a medicação não deve ser a primeira nem a única linha de intervenção. Vejo frequentemente esta rápida medicação em situações que seriam facilmente atenuadas com aconselhamento ou psicoterapia. Mas, em vez disso, coloca-se um penso rápido em cima de uma ferida que vai abrir novamente se não for devidamente tratada. Noutros casos, medicam-se respostas emocionais que são sinal de saúde mental, tratando-se reações normais a situações adversas como se fossem infeções a combater. Medicam-se tristezas e lutos como se fossem depressões, por exemplo.
Um outro risco da medicação sem esclarecimento do quadro psicológico ou psicopatológico é o de confundir diagnósticos. O diagnóstico em saúde mental não é rápido nem imediato; não existe um Raio X ou uma análise de sangue. Muitas vezes é já no decorrer de uma psicoterapia que se clarificam os diagnósticos; por isso, habitualmente falamos num determinado funcionamento, sem usar necessariamente um rótulo que parece comportar uma sentença. Quando se abafam sintomas e queixas com medicação pode comprometer-se este trabalho de esclarecimento, assim como a evolução clínica da pessoa. Quando se medica uma coisa que afinal é outra coisa, pode estar a provocar-se uma erupção perigosa e silenciosa num vulcão temporariamente anestesiado e adormecido.
O que nos traz a esta desvalorização das queixas psicológicas, por um lado, e à desconsideração da avaliação e intervenção especializada nestas situações? Julgo que o estigma e a desvalorização da saúde mental são os pontos principais. Enquanto a saúde mental for parente pobre da saúde e não se perceber, de uma vez por todas, que não há saúde sem saúde mental, as queixas psicológicas vão continuar a ser vistas como algo simples de resolver e que não carecem do envolvimento de profissionais formados e competentes na área. Mas um outro fator fundamental será a reduzida acessibilidade à intervenção psicológica; pagar um acompanhamento regular num consultório privado é algo que não está acessível ao bolso de qualquer pessoa e enquanto a psicologia for vista como um luxo pouco apetecível às seguradoras, grande parte das pessoas terá de ficar meses à espera de consultas mensais no público (na melhor das hipóteses), onde por mais competentes e por mais boa vontade que os psicólogos possam ter, é difícil fazer um trabalho eficaz. Por isso, as pessoas acabam muitas vezes por se resignar ao antidepressivo ou ao ansiolítico tomado de forma vitalícia.
O mal-estar e o sofrimento psicológico são queixas reais. Quando a mente adoece, o corpo fica mais vulnerável e pode adoecer também. Há impacto na vida pessoal, familiar, social, profissional, escolar. A dor emocional não se trata com frases inspiradoras, palmadinhas nas costas ou respirações profundas. Da mesma forma não se trata só com medicação. Trata-se com empatia e com conversa, em primeiro lugar. Sim, conversa; mas uma conversa longa, profunda e transformadora, guiada por profissionais que sabem ler nas entrelinhas e que, com base na sua formação e experiência, fazem o trabalho que nenhum profissional de outra área poderá fazer, mesmo que muitas vezes se possam acionar outras especialidades.
Desculpem o desabafo de uma psicóloga às vezes cansada de lutar pelo respeito pela saúde mental.
“É psicológico!”
“São coisas da tua cabeça”
“Tens de relaxar”
“Não penses mais nisso que isso passa”
“Tens de ter força de vontade”
Estas afirmações surgem frequentemente em resposta às queixas físicas, emocionais, intelectuais, profissionais e sociais decorrentes do mal-estar psicológico, como se este fosse um problema de segunda categoria, um chelique, um capricho ou umas coisinhas que passam se respirarmos fundo.
Estas atitudes, aliadas ao estigma que ainda existe relativamente à saúde mental, reforçam o sentimento de incompreensão, vergonha, culpa e desvalorização, levando ao isolamento, à máscara do “está tudo bem, obrigado” e à não procura de ajuda profissional.
Tão ou mais grave é não haver um encaminhamento para avaliação e acompanhamento psicológico quando as pessoas recorrem a serviços médicos com determinadas queixas, que são rapidamente diagnosticadas como depressão, ansiedade ou ataque de pânico. Levam consigo uma recomendação para tirarem umas férias e não pensarem no assunto, ficando sozinhas com as suas “minhoquinhas na cabeça” e os seus “macaquinhos no sótão”.
Não menos frequente, apesar de aqui envolver uma maior valorização das queixas, é o facto de alguns médicos se adiantarem na prescrição de medicação sem esclarecimento diagnóstico por parte dos profissionais de saúde mental (psicólogos e psiquiatras). Se se encaminham as pessoas para diferentes especialidades médicas em função das suas queixas e das hipóteses de diagnóstico, por que razão a saúde mental continua a ser aquela área em que todos se consideram entendidos e capazes de avaliar a olho nu?
Na minha opinião, exceto em quadros muito graves e com risco significativo atestado pelo psicólogo e pelo psiquiatra, a medicação não deve ser a primeira nem a única linha de intervenção. Vejo frequentemente esta rápida medicação em situações que seriam facilmente atenuadas com aconselhamento ou psicoterapia. Mas, em vez disso, coloca-se um penso rápido em cima de uma ferida que vai abrir novamente se não for devidamente tratada. Noutros casos, medicam-se respostas emocionais que são sinal de saúde mental, tratando-se reações normais a situações adversas como se fossem infeções a combater. Medicam-se tristezas e lutos como se fossem depressões, por exemplo.
Um outro risco da medicação sem esclarecimento do quadro psicológico ou psicopatológico é o de confundir diagnósticos. O diagnóstico em saúde mental não é rápido nem imediato; não existe um Raio X ou uma análise de sangue. Muitas vezes é já no decorrer de uma psicoterapia que se clarificam os diagnósticos; por isso, habitualmente falamos num determinado funcionamento, sem usar necessariamente um rótulo que parece comportar uma sentença. Quando se abafam sintomas e queixas com medicação pode comprometer-se este trabalho de esclarecimento, assim como a evolução clínica da pessoa. Quando se medica uma coisa que afinal é outra coisa, pode estar a provocar-se uma erupção perigosa e silenciosa num vulcão temporariamente anestesiado e adormecido.
O que nos traz a esta desvalorização das queixas psicológicas, por um lado, e à desconsideração da avaliação e intervenção especializada nestas situações? Julgo que o estigma e a desvalorização da saúde mental são os pontos principais. Enquanto a saúde mental for parente pobre da saúde e não se perceber, de uma vez por todas, que não há saúde sem saúde mental, as queixas psicológicas vão continuar a ser vistas como algo simples de resolver e que não carecem do envolvimento de profissionais formados e competentes na área. Mas um outro fator fundamental será a reduzida acessibilidade à intervenção psicológica; pagar um acompanhamento regular num consultório privado é algo que não está acessível ao bolso de qualquer pessoa e enquanto a psicologia for vista como um luxo pouco apetecível às seguradoras, grande parte das pessoas terá de ficar meses à espera de consultas mensais no público (na melhor das hipóteses), onde por mais competentes e por mais boa vontade que os psicólogos possam ter, é difícil fazer um trabalho eficaz. Por isso, as pessoas acabam muitas vezes por se resignar ao antidepressivo ou ao ansiolítico tomado de forma vitalícia.
O mal-estar e o sofrimento psicológico são queixas reais. Quando a mente adoece, o corpo fica mais vulnerável e pode adoecer também. Há impacto na vida pessoal, familiar, social, profissional, escolar. A dor emocional não se trata com frases inspiradoras, palmadinhas nas costas ou respirações profundas. Da mesma forma não se trata só com medicação. Trata-se com empatia e com conversa, em primeiro lugar. Sim, conversa; mas uma conversa longa, profunda e transformadora, guiada por profissionais que sabem ler nas entrelinhas e que, com base na sua formação e experiência, fazem o trabalho que nenhum profissional de outra área poderá fazer, mesmo que muitas vezes se possam acionar outras especialidades.
Desculpem o desabafo de uma psicóloga às vezes cansada de lutar pelo respeito pela saúde mental.