Vivemos numa era em que todos somos um pouco juízes em praça pública e as redes sociais são um canal de crítica veloz, que facilmente resvala para o ódio e para o ataque pessoal, com pouca preocupação pelo comentário construtivo.
Vi ontem o novo programa da SIC, Supernanny, um formato importado de outros países. Confesso que assim que vi os primeiros anúncios antevi a polémica que se iria gerar, mas aguardei para ver. Sabemos que o que vende hoje em dia é a imagem e que programas que promovam a reflexão, a prevenção e a ponderação terão muito menos audiência do que estes programas mais sensacionalistas e em jeito de Big Brother.
Não vou analisar o comportamento da menina, nem da mãe, nem da avó, nem do pai, nem da minha colega de profissão. Vou falar sobre como este programa podia ser útil.
Vi em alguns comentários que Portugal é um país que só sabe criticar e que os programas que têm imenso sucesso lá fora acabam sempre por ser criticados e até cancelados em Portugal. Em primeiro lugar, o facto de ter sucesso lá fora não quer dizer que seja bom. Em segundo lugar, podíamos começar a copiar exemplos mais pedagógicos, empáticos e respeitadores.
As regras e os limites são de extrema importância para as crianças, basta lerem duas ou três publicações minhas para saberem a minha opinião sobre este tema. A par com o afeto, as regras dão segurança, no aqui e agora, e preparam o futuro. Uma criança que não ouve “NÃO” é uma criança que sente que não tem um adulto que a protege, é uma criança que vai aumentar o seu comportamento desafiante na esperança que a travem, porque a ausência dessa autoridade lhe traz sofrimento. A criança tenta controlar quando sente que não há controlo à volta dela. Sejam quais forem as razões, família e criança precisam de ser ajudadas a perceber as razões desta dificuldade em lidar com regras, a perceber o que a criança está a pedir e, gradualmente, a adotarem novas estratégias que sejam suportáveis para a família e para a criança. A criança precisa de sentir que não destrói o pai ou a mãe com a sua agressividade. Os pais têm de ser ajudados a não ficarem destruídos com a agressividade da criança e com o exercício da sua autoridade. Esta parte não foi, de todo, assegurada pelo programa. Mãe e criança ficaram destruídas várias vezes.
Este programa podia ser bom com outra forma e outro conteúdo. As crianças precisam de consistência e isso falha logo no enquadramento do programa: é suposto ser uma ama, que toma conta e é uma espécie de segundo educador (o primeiro são os pais), ou uma psicóloga que ajuda a identificar e a alterar padrões desajustados, que traduz e intervém nos sinais de sofrimento e apoia no processo de transformação? Talvez nesta parte o maior incómodo surja entre nós, psicólogos, que facilmente identificamos que o que ali se passa tem pouco de psicologia. Parte da informação e das sugestões até fazem bastante sentido, a forma como são transmitidas e utilizadas é que não.
Talvez se pudessem filmar excertos da dinâmica familiar, mas tentando ocultar o rosto da criança e da mãe. Lendo vários comentários nas redes sociais, é fácil prever que a menina e a mãe vão ser alvo de crítica severa, insultos, gozo. Julgo que se podia fazer uma síntese do enquadramento familiar, certamente comum a milhares de famílias, e sugerir estratégias a partir daí, lançar debate e reflexão, juntar pais a debater as dificuldades.
Acredito que os pais fazem sempre o melhor que conseguem com os recursos que têm. E por recursos entendo as suas próprias competências emocionais, os seus conhecimentos, a sua história familiar, o tempo, a rede de suporte sociofamiliar, etc. O que se passou neste programa passa-se, diariamente, nas casas de muitas famílias. Algumas pedem ajudam, outras não. Algumas nem sabem que têm um problema para resolver. Algumas pedem ajuda na porta errada.
Utilizando os conhecimentos da psicologia, a Super-Ama poderia ser de grande ajuda para muitas famílias, lançando o debate sobre os desafios da parentalidade, sobre o desafio que é crescer e conquistar um lugar no mundo dos adultos, sobre afetos, sobre regras, sobre saúde mental. Mas para isso era preciso que o objetivo fosse realmente ajudar.
Agora paremos de crucificar a SIC, o programa, a Supernanny, a mãe, a menina. É altura de pensar como é que chegámos aqui, de olhar para dentro de casa e de refletir sobre o que se lá passa, sobre os valores que estamos a transmitir, sobre o tipo de informação que queremos obter. Estes programas só existem porque se sabe que vão ter audiência, que vão gerar polémica e, com isso, publicidade. Se Portugal fosse menos negativamente crítico, e mais construtivo, talvez desse mais audiência e abertura ao que de bom há por aí. Vejo muito menor participação em posts referentes a iniciativas construtivas, sem polémicas associadas. É preciso dar audiência ao que permite crescimento e não ao que destrói e se transforma em ataque pessoal. Dê-se mais audiência a iniciativas menos espetaculares, promova-se mais debate e reflexão sobre afetos, relações, valores, partilha, entreajuda.
À vossa volta pode estar uma Margarida ou uma mãe da Margarida, desesperadas por ajuda, mas com receio de a pedir, com medo do dedo apontado e da humilhação. Sejamos mais humildes e disponíveis para ouvir. Talvez, na minha ingénua esperança na humanidade e no futuro, seja possível um mundo melhor em que estes programas não existam, onde as famílias não são expostas destas forma e onde se pode realmente receber ajuda sem os holofotes que, depois de apagados, talvez deixem mais nódoas negras do que aquelas que já existiam.
Vi ontem o novo programa da SIC, Supernanny, um formato importado de outros países. Confesso que assim que vi os primeiros anúncios antevi a polémica que se iria gerar, mas aguardei para ver. Sabemos que o que vende hoje em dia é a imagem e que programas que promovam a reflexão, a prevenção e a ponderação terão muito menos audiência do que estes programas mais sensacionalistas e em jeito de Big Brother.
Não vou analisar o comportamento da menina, nem da mãe, nem da avó, nem do pai, nem da minha colega de profissão. Vou falar sobre como este programa podia ser útil.
Vi em alguns comentários que Portugal é um país que só sabe criticar e que os programas que têm imenso sucesso lá fora acabam sempre por ser criticados e até cancelados em Portugal. Em primeiro lugar, o facto de ter sucesso lá fora não quer dizer que seja bom. Em segundo lugar, podíamos começar a copiar exemplos mais pedagógicos, empáticos e respeitadores.
As regras e os limites são de extrema importância para as crianças, basta lerem duas ou três publicações minhas para saberem a minha opinião sobre este tema. A par com o afeto, as regras dão segurança, no aqui e agora, e preparam o futuro. Uma criança que não ouve “NÃO” é uma criança que sente que não tem um adulto que a protege, é uma criança que vai aumentar o seu comportamento desafiante na esperança que a travem, porque a ausência dessa autoridade lhe traz sofrimento. A criança tenta controlar quando sente que não há controlo à volta dela. Sejam quais forem as razões, família e criança precisam de ser ajudadas a perceber as razões desta dificuldade em lidar com regras, a perceber o que a criança está a pedir e, gradualmente, a adotarem novas estratégias que sejam suportáveis para a família e para a criança. A criança precisa de sentir que não destrói o pai ou a mãe com a sua agressividade. Os pais têm de ser ajudados a não ficarem destruídos com a agressividade da criança e com o exercício da sua autoridade. Esta parte não foi, de todo, assegurada pelo programa. Mãe e criança ficaram destruídas várias vezes.
Este programa podia ser bom com outra forma e outro conteúdo. As crianças precisam de consistência e isso falha logo no enquadramento do programa: é suposto ser uma ama, que toma conta e é uma espécie de segundo educador (o primeiro são os pais), ou uma psicóloga que ajuda a identificar e a alterar padrões desajustados, que traduz e intervém nos sinais de sofrimento e apoia no processo de transformação? Talvez nesta parte o maior incómodo surja entre nós, psicólogos, que facilmente identificamos que o que ali se passa tem pouco de psicologia. Parte da informação e das sugestões até fazem bastante sentido, a forma como são transmitidas e utilizadas é que não.
Talvez se pudessem filmar excertos da dinâmica familiar, mas tentando ocultar o rosto da criança e da mãe. Lendo vários comentários nas redes sociais, é fácil prever que a menina e a mãe vão ser alvo de crítica severa, insultos, gozo. Julgo que se podia fazer uma síntese do enquadramento familiar, certamente comum a milhares de famílias, e sugerir estratégias a partir daí, lançar debate e reflexão, juntar pais a debater as dificuldades.
Acredito que os pais fazem sempre o melhor que conseguem com os recursos que têm. E por recursos entendo as suas próprias competências emocionais, os seus conhecimentos, a sua história familiar, o tempo, a rede de suporte sociofamiliar, etc. O que se passou neste programa passa-se, diariamente, nas casas de muitas famílias. Algumas pedem ajudam, outras não. Algumas nem sabem que têm um problema para resolver. Algumas pedem ajuda na porta errada.
Utilizando os conhecimentos da psicologia, a Super-Ama poderia ser de grande ajuda para muitas famílias, lançando o debate sobre os desafios da parentalidade, sobre o desafio que é crescer e conquistar um lugar no mundo dos adultos, sobre afetos, sobre regras, sobre saúde mental. Mas para isso era preciso que o objetivo fosse realmente ajudar.
Agora paremos de crucificar a SIC, o programa, a Supernanny, a mãe, a menina. É altura de pensar como é que chegámos aqui, de olhar para dentro de casa e de refletir sobre o que se lá passa, sobre os valores que estamos a transmitir, sobre o tipo de informação que queremos obter. Estes programas só existem porque se sabe que vão ter audiência, que vão gerar polémica e, com isso, publicidade. Se Portugal fosse menos negativamente crítico, e mais construtivo, talvez desse mais audiência e abertura ao que de bom há por aí. Vejo muito menor participação em posts referentes a iniciativas construtivas, sem polémicas associadas. É preciso dar audiência ao que permite crescimento e não ao que destrói e se transforma em ataque pessoal. Dê-se mais audiência a iniciativas menos espetaculares, promova-se mais debate e reflexão sobre afetos, relações, valores, partilha, entreajuda.
À vossa volta pode estar uma Margarida ou uma mãe da Margarida, desesperadas por ajuda, mas com receio de a pedir, com medo do dedo apontado e da humilhação. Sejamos mais humildes e disponíveis para ouvir. Talvez, na minha ingénua esperança na humanidade e no futuro, seja possível um mundo melhor em que estes programas não existam, onde as famílias não são expostas destas forma e onde se pode realmente receber ajuda sem os holofotes que, depois de apagados, talvez deixem mais nódoas negras do que aquelas que já existiam.