
Esta é a história de Verónica, 35 anos, profissional realizada e em pleno crescimento. Os dias de Verónica eram cronometrados ao minuto para cumprir a sua agenda cheia, talvez demasiado cheia. Cheia de compromissos, projetos, responsabilidades que lhe deixavam pouco tempo para a vida pessoal e social. Ainda assim deixava vago o espaço para as consultas de rotina anuais. Afinal, um corpo doente não trabalha e Verónica não se permitia adoecer.
Verónica tinha um historial de elevada incidência de cancro de pele na família, por isso cumpria a vigilância apertada em Dermatologia. “Tudo em ordem, Verónica, até para o ano”. Seguiu-se a ecografia mamária, afinal havia que rentabilizar o tempo e marcar tudo para o mesmo dia. Verónica deitou-se, descontraída. Fazia habitualmente a palpação mamária. “Temos aqui qualquer coisa”… Verónica esqueceu a agenda por uns instantes. O coração disparou. Ou talvez tenha parado, não sabe bem. O calor no rosto contrastava com o gelo do corpo. Ocorreram-lhe mil imagens, mas focou-se apenas numa: o rosto apreensivo da médica enquanto continuava o exame. “Temos aqui qualquer coisa, não deve ser nada, mas é melhor fazer biópsia”. Verónica continuava em silêncio, mas agora lavada em lágrimas. “Não esteja assim!”
“Não deve ser nada”… “Temos aqui qualquer coisa”… Verónica secou as lágrimas e voltou à agenda. Pediu que lhe marcassem o exame para um dia de menos trabalho. “Não posso faltar”. Manteve-se em silêncio durante dois dias, afinal não devia ser nada, mas acabou por partilhar o receio com os amigos mais próximos. “Não deve ser nada”, dizia-lhes em jeito de consolo.
Teresa, amiga há mais de uma década, acompanhou-a no dia da biópsia, contrariando a habitual tentativa de Verónica dizer que não era necessário. Desta vez Verónica não fez grande coisa para evitar ser um incómodo, precisava de Teresa ao seu lado. O ambiente era tenso na sala de espera, em oposição ao habitual clima dos almoços de 6ª feira. Em silêncio, Teresa apertou a mão de Verónica. Não foram precisas palavras, estavam ambas assustadas. Além disso, Verónica estava preocupada com a agenda e a possibilidade de atrasar Teresa.
A biopsia era feita pela mesma médica, na mesma sala. Mas estava frio, muito mais frio. O ambiente era descontraído, divertido até, mas Verónica não conseguia corresponder. Talvez estivesse a dramatizar. Ou talvez a médica, a enfermeira e a auxiliar o tivessem feito demasiadas vezes e a técnica que assistia pela primeira vez estivesse demasiado curiosa para perceberem o terror de Verónica, que se sentia a ser mutilada naquele momento. Seguiu-se a mamografia. “Agora espera mais ou menos uma semana pelos resultados”. Apesar da dor física e psicológica, Verónica e Teresa conseguiram brincar com a situação.
Verónica voltou à agenda, que procurou encher mais do que o costume. Mas os dias pareceram meses e o pânico foi-se instalando até um nível quase insuportável. Não tinha ainda contado à família pois não queria causar preocupações desnecessárias. Acabou por fazê-lo dias antes de receber os resultados, porque precisava do apoio e porque não saberia como dar-lhes a notícia caso o pior se confirmasse.
“E se eu tiver cancro?”… dos vários cenários que lhe passavam pela cabeça, o pior não era a morte. Não tinha medo de morrer, ou talvez tivesse. O maior medo era o tempo ou a falta dele. De repente a agenda parecia-lhe curta e longa ao mesmo tempo. 35+5= 40. E se afinal fosse alguma coisa e tivesse de fazer quimioterapia e radioterapia e depois disso esperar os desejáveis cinco anos para desintoxicar o organismo, conseguiria ainda engravidar? O maior medo de Verónica não era morrer, mas viver sem poder ser mãe. Todos os medos se confundiram nos dias de espera. Não conseguia comer, nem dormir e a agenda tornara-se demasiado penosa ao mesmo tempo que era a única forma de suportar a espera.
“Lesão proliferativa complexa”… apesar do nome “não é nada, mas é para tirar porque há risco de evoluir”… silêncio… alívio, misturado com muitas dúvidas, mas alívio.
As semanas seguintes passaram-se com relativa tranquilidade. Verónica voltou à sua agenda ocupada, mas com um sentimento de “wake up call”. O susto servira-lhe para pensar na sua vida em retrospetiva. Sonhos, medos, zangas, perdões, passado, presente, futuro. Estava na altura de mudar, de sentir e fazer as coisas de maneira diferente. Trabalhar menos, divertir-se mais. Sentir mais, pensar menos. Verónica decidiu viver.
A ideia da cirurgia pairava sempre de algum modo em tudo o que fazia. “Ficarei deformada?”. Verónica sentia-se fútil. “Não é nada”. Pensava nas mulheres com cancro de mama, mastectomizadas. Via as fotografias de crianças sem cabelo, mas sorridentes. Sentia-se fútil. “Podia ser pior, muito pior, não é nada”, pensava para si sempre que o medo a invadia. Pensava na madrinha, ainda a cumprir os seis anos de vigilância. Não queria falar-lhe do assunto, não era justo fazê-la reviver o trauma com o seu nada. Acabaram por falar e ajudou, como ajudaram tantas outras conversas em que a cumplicidade e a empatia entre ambas as fortaleciam.
E assim Verónica decidiu viver quase como até aqui, chutando para canto o que sentia, consolando os amigos. “Não é nada, é só para eliminar o risco e não pensar mais no assunto”. De alguma forma, Joana, amiga de infância, achava os papéis invertidos. “Devia ser eu a dizer-te que vai ficar tudo bem, a apoiar-te”. E apoiou.
A cirurgia foi agendada de acordo com a agenda de Verónica, claro. Tinha de ser uma 6ª feira para recuperar durante o fim-de-semana e voltar ao trabalho na 2ª feira.
A médica da consulta de senologia explicara-lhe os procedimentos. “Vou ficar deformada?”. “Não! É uma coisa muito pequenina”. Ficou aliviada. À medida que se aproximava o dia, Verónica caiu na tentação até aqui adiada: ir à internet. Rapidamente percebeu que não era boa ideia. Tudo o que via era bastante mais grave. “Deixa-te de dramas”.
No dia em que foi internada era talvez a pessoa mais descontraída. Família e amigos tentavam disfarçar a apreensão. Verónica sentia-se bem no papel de forte, tranquila e em controlo. Mas no momento da verdade, já longe da família e dos amigos, voltou a quebrar.
Os procedimentos pré-operatórios foram feitos na sala gelada que já conhecia, pela equipa que já lhe era familiar. Novamente o ambiente descontraído, quase adequado à mesa do café, e Verónica voltava a não corresponder. Estava aterrorizada. “Não esteja com essa cara, relaxe, isto não é nada!”. Verónica tentava sorrir enquanto ao arpão era introduzido. Nova sensação de mutilação, apesar de a biópsia ter doido mais. Nova mamografia e Verónica foi para o bloco, gelado. A enfermeira estranhou. “A senhora, senhora não, a menina parece assustada, mas é benigno, não é?”. “É”…
Acordou bem-disposta e sem dores. O medo parecia ter-se diluído. E voltava o hábito de brincar com coisas sérias. Antes de abandonar o hospital e depois das devidas recomendações, não resistiu e perguntou “Quantos pontos?”. A enfermeira não tinha essa informação, mas “é uma coisa muito pequena”. Passou os primeiros dias bastante bem, à parte algumas limitações motoras que lhe causavam uma dependência que lhe era pouco confortável. Família e amigos próximos continuavam atentos e disponíveis. Verónica começava a habituar-se à ideia de que podia pedir ajuda e recebê-la.
Dia de mudar o penso, novamente acompanhada por Teresa. “É uma coisa muito pequena”, dizia para si própria enquanto aguardava a primeira oportunidade de se ver. “Está bonito”… Verónica olhou… choque… Convencera-se de tal forma que “não é nada, é muito pequeno” que não estava preparada para o cenário real. A enfermeira percebeu. “Daqui a uns tempos não se vai notar nada, não se preocupe”. Apesar destas palavras, Verónica confrontou-se pela primeira vez com a deformação real, com o ataque à sua feminilidade. Desta vez não foi Verónica a tranquilizar Teresa, Joana ou a família e Verónica tentava, dentro do que era capaz, aguentar o colo que habitualmente afastava em momentos de fragilidade. Precisava dele. Verónica voltou a ver-se dias depois quando tirou os pontos. Ficou mais tranquila e esperançosa, mesmo desejando que os pensos redutores de cicatriz lá ficassem para sempre.
Verónica voltou à sua agenda alucinante, mas esforça-se por guardar vago o espaço para sentir, para expressar-se, para a amizade, para a família, para o amor. Continua, na maior parte das vezes, a responder “Está tudo bem”. Ainda não consegue olhar-se ao espelho, nem sabe quando deixará o marido olhá-la. Há dias em que se sente menos mulher, mesmo que daqui a uns tempos a deformação só seja visível aos seus olhos, a cicatriz emocional será mais difícil de sarar. Mas irá sarar, como tantas outras.
Esta não é a história de Verónica, é apenas parte dela. Há toda uma história para trás e para a frente. “Há coisas que pareciam enormes e agora não têm qualquer importância e outras ganharam uma importância enorme”. Verónica tem aprendido que não pode controlar tudo e que nem a sua agenda prevê a forma como “tudo fica virado do avesso de um momento para o outro”. Tem aprendido a aceitar a sua vulnerabilidade e a legitimar o direito a fazer dramas.
Verónica hesitou em autorizar-me a contar esta parte da sua história. Tinha medo que a identificassem, que a achassem fútil, dramática. Deu-me essa autorização há dias, depois de ver este VÍDEO, dias antes do Dia Nacional da Prevenção do Cancro de Mama, que se celebra hoje, 30 de Outubro. Verónica voltou a sentir-se fútil, afinal “podia ser bem pior”.
Verónica decidiu partilhar a experiência essencialmente para alertar para a prevenção, afinal se fosse “alguma coisa”, teria bom prognóstico por se detetar atempadamente. O susto de Verónica serviu para que as suas amigas mais descuidadas com a saúde marcassem consultas com os seus médicos. Espera que outras mulheres o façam. Verónica decidiu partilhar as suas angústias na esperança de sensibilizar os médicos para o sentimento de invasão e mutilação, pois o que pode ser “nada e muito pequeno” para o médico, pode ser monstruoso para o doente. Mas Verónica gostava principalmente de enviar um abraço forte e caloroso a todas as mulheres que lutaram ou lutam contra o cancro da mama.
Verónica tinha um historial de elevada incidência de cancro de pele na família, por isso cumpria a vigilância apertada em Dermatologia. “Tudo em ordem, Verónica, até para o ano”. Seguiu-se a ecografia mamária, afinal havia que rentabilizar o tempo e marcar tudo para o mesmo dia. Verónica deitou-se, descontraída. Fazia habitualmente a palpação mamária. “Temos aqui qualquer coisa”… Verónica esqueceu a agenda por uns instantes. O coração disparou. Ou talvez tenha parado, não sabe bem. O calor no rosto contrastava com o gelo do corpo. Ocorreram-lhe mil imagens, mas focou-se apenas numa: o rosto apreensivo da médica enquanto continuava o exame. “Temos aqui qualquer coisa, não deve ser nada, mas é melhor fazer biópsia”. Verónica continuava em silêncio, mas agora lavada em lágrimas. “Não esteja assim!”
“Não deve ser nada”… “Temos aqui qualquer coisa”… Verónica secou as lágrimas e voltou à agenda. Pediu que lhe marcassem o exame para um dia de menos trabalho. “Não posso faltar”. Manteve-se em silêncio durante dois dias, afinal não devia ser nada, mas acabou por partilhar o receio com os amigos mais próximos. “Não deve ser nada”, dizia-lhes em jeito de consolo.
Teresa, amiga há mais de uma década, acompanhou-a no dia da biópsia, contrariando a habitual tentativa de Verónica dizer que não era necessário. Desta vez Verónica não fez grande coisa para evitar ser um incómodo, precisava de Teresa ao seu lado. O ambiente era tenso na sala de espera, em oposição ao habitual clima dos almoços de 6ª feira. Em silêncio, Teresa apertou a mão de Verónica. Não foram precisas palavras, estavam ambas assustadas. Além disso, Verónica estava preocupada com a agenda e a possibilidade de atrasar Teresa.
A biopsia era feita pela mesma médica, na mesma sala. Mas estava frio, muito mais frio. O ambiente era descontraído, divertido até, mas Verónica não conseguia corresponder. Talvez estivesse a dramatizar. Ou talvez a médica, a enfermeira e a auxiliar o tivessem feito demasiadas vezes e a técnica que assistia pela primeira vez estivesse demasiado curiosa para perceberem o terror de Verónica, que se sentia a ser mutilada naquele momento. Seguiu-se a mamografia. “Agora espera mais ou menos uma semana pelos resultados”. Apesar da dor física e psicológica, Verónica e Teresa conseguiram brincar com a situação.
Verónica voltou à agenda, que procurou encher mais do que o costume. Mas os dias pareceram meses e o pânico foi-se instalando até um nível quase insuportável. Não tinha ainda contado à família pois não queria causar preocupações desnecessárias. Acabou por fazê-lo dias antes de receber os resultados, porque precisava do apoio e porque não saberia como dar-lhes a notícia caso o pior se confirmasse.
“E se eu tiver cancro?”… dos vários cenários que lhe passavam pela cabeça, o pior não era a morte. Não tinha medo de morrer, ou talvez tivesse. O maior medo era o tempo ou a falta dele. De repente a agenda parecia-lhe curta e longa ao mesmo tempo. 35+5= 40. E se afinal fosse alguma coisa e tivesse de fazer quimioterapia e radioterapia e depois disso esperar os desejáveis cinco anos para desintoxicar o organismo, conseguiria ainda engravidar? O maior medo de Verónica não era morrer, mas viver sem poder ser mãe. Todos os medos se confundiram nos dias de espera. Não conseguia comer, nem dormir e a agenda tornara-se demasiado penosa ao mesmo tempo que era a única forma de suportar a espera.
“Lesão proliferativa complexa”… apesar do nome “não é nada, mas é para tirar porque há risco de evoluir”… silêncio… alívio, misturado com muitas dúvidas, mas alívio.
As semanas seguintes passaram-se com relativa tranquilidade. Verónica voltou à sua agenda ocupada, mas com um sentimento de “wake up call”. O susto servira-lhe para pensar na sua vida em retrospetiva. Sonhos, medos, zangas, perdões, passado, presente, futuro. Estava na altura de mudar, de sentir e fazer as coisas de maneira diferente. Trabalhar menos, divertir-se mais. Sentir mais, pensar menos. Verónica decidiu viver.
A ideia da cirurgia pairava sempre de algum modo em tudo o que fazia. “Ficarei deformada?”. Verónica sentia-se fútil. “Não é nada”. Pensava nas mulheres com cancro de mama, mastectomizadas. Via as fotografias de crianças sem cabelo, mas sorridentes. Sentia-se fútil. “Podia ser pior, muito pior, não é nada”, pensava para si sempre que o medo a invadia. Pensava na madrinha, ainda a cumprir os seis anos de vigilância. Não queria falar-lhe do assunto, não era justo fazê-la reviver o trauma com o seu nada. Acabaram por falar e ajudou, como ajudaram tantas outras conversas em que a cumplicidade e a empatia entre ambas as fortaleciam.
E assim Verónica decidiu viver quase como até aqui, chutando para canto o que sentia, consolando os amigos. “Não é nada, é só para eliminar o risco e não pensar mais no assunto”. De alguma forma, Joana, amiga de infância, achava os papéis invertidos. “Devia ser eu a dizer-te que vai ficar tudo bem, a apoiar-te”. E apoiou.
A cirurgia foi agendada de acordo com a agenda de Verónica, claro. Tinha de ser uma 6ª feira para recuperar durante o fim-de-semana e voltar ao trabalho na 2ª feira.
A médica da consulta de senologia explicara-lhe os procedimentos. “Vou ficar deformada?”. “Não! É uma coisa muito pequenina”. Ficou aliviada. À medida que se aproximava o dia, Verónica caiu na tentação até aqui adiada: ir à internet. Rapidamente percebeu que não era boa ideia. Tudo o que via era bastante mais grave. “Deixa-te de dramas”.
No dia em que foi internada era talvez a pessoa mais descontraída. Família e amigos tentavam disfarçar a apreensão. Verónica sentia-se bem no papel de forte, tranquila e em controlo. Mas no momento da verdade, já longe da família e dos amigos, voltou a quebrar.
Os procedimentos pré-operatórios foram feitos na sala gelada que já conhecia, pela equipa que já lhe era familiar. Novamente o ambiente descontraído, quase adequado à mesa do café, e Verónica voltava a não corresponder. Estava aterrorizada. “Não esteja com essa cara, relaxe, isto não é nada!”. Verónica tentava sorrir enquanto ao arpão era introduzido. Nova sensação de mutilação, apesar de a biópsia ter doido mais. Nova mamografia e Verónica foi para o bloco, gelado. A enfermeira estranhou. “A senhora, senhora não, a menina parece assustada, mas é benigno, não é?”. “É”…
Acordou bem-disposta e sem dores. O medo parecia ter-se diluído. E voltava o hábito de brincar com coisas sérias. Antes de abandonar o hospital e depois das devidas recomendações, não resistiu e perguntou “Quantos pontos?”. A enfermeira não tinha essa informação, mas “é uma coisa muito pequena”. Passou os primeiros dias bastante bem, à parte algumas limitações motoras que lhe causavam uma dependência que lhe era pouco confortável. Família e amigos próximos continuavam atentos e disponíveis. Verónica começava a habituar-se à ideia de que podia pedir ajuda e recebê-la.
Dia de mudar o penso, novamente acompanhada por Teresa. “É uma coisa muito pequena”, dizia para si própria enquanto aguardava a primeira oportunidade de se ver. “Está bonito”… Verónica olhou… choque… Convencera-se de tal forma que “não é nada, é muito pequeno” que não estava preparada para o cenário real. A enfermeira percebeu. “Daqui a uns tempos não se vai notar nada, não se preocupe”. Apesar destas palavras, Verónica confrontou-se pela primeira vez com a deformação real, com o ataque à sua feminilidade. Desta vez não foi Verónica a tranquilizar Teresa, Joana ou a família e Verónica tentava, dentro do que era capaz, aguentar o colo que habitualmente afastava em momentos de fragilidade. Precisava dele. Verónica voltou a ver-se dias depois quando tirou os pontos. Ficou mais tranquila e esperançosa, mesmo desejando que os pensos redutores de cicatriz lá ficassem para sempre.
Verónica voltou à sua agenda alucinante, mas esforça-se por guardar vago o espaço para sentir, para expressar-se, para a amizade, para a família, para o amor. Continua, na maior parte das vezes, a responder “Está tudo bem”. Ainda não consegue olhar-se ao espelho, nem sabe quando deixará o marido olhá-la. Há dias em que se sente menos mulher, mesmo que daqui a uns tempos a deformação só seja visível aos seus olhos, a cicatriz emocional será mais difícil de sarar. Mas irá sarar, como tantas outras.
Esta não é a história de Verónica, é apenas parte dela. Há toda uma história para trás e para a frente. “Há coisas que pareciam enormes e agora não têm qualquer importância e outras ganharam uma importância enorme”. Verónica tem aprendido que não pode controlar tudo e que nem a sua agenda prevê a forma como “tudo fica virado do avesso de um momento para o outro”. Tem aprendido a aceitar a sua vulnerabilidade e a legitimar o direito a fazer dramas.
Verónica hesitou em autorizar-me a contar esta parte da sua história. Tinha medo que a identificassem, que a achassem fútil, dramática. Deu-me essa autorização há dias, depois de ver este VÍDEO, dias antes do Dia Nacional da Prevenção do Cancro de Mama, que se celebra hoje, 30 de Outubro. Verónica voltou a sentir-se fútil, afinal “podia ser bem pior”.
Verónica decidiu partilhar a experiência essencialmente para alertar para a prevenção, afinal se fosse “alguma coisa”, teria bom prognóstico por se detetar atempadamente. O susto de Verónica serviu para que as suas amigas mais descuidadas com a saúde marcassem consultas com os seus médicos. Espera que outras mulheres o façam. Verónica decidiu partilhar as suas angústias na esperança de sensibilizar os médicos para o sentimento de invasão e mutilação, pois o que pode ser “nada e muito pequeno” para o médico, pode ser monstruoso para o doente. Mas Verónica gostava principalmente de enviar um abraço forte e caloroso a todas as mulheres que lutaram ou lutam contra o cancro da mama.